terça-feira, 20 de dezembro de 2011

História da Igreja – Parte 1 – Com Sal ou Sem Sal?


Por: Christopher Walker
Raízes – Lições da História da Igreja Para os Nossos Dias.
É um principio indiscutível que para se descobrir o propósito da existência de um indivíduo, entidade, nação ou até mesmo de toda a humanidade, é preciso começar analisando a sua história, suas raízes. Não é diferente em relação à Igreja, que na verdade é o conjunto de pessoas que atenderam ao chamado de Deus para saírem para fora de um mundo cada vez mais à deriva no caos e degeneração resultantes do pecado, a fim de reencontrar através da obra redentora de Jesus o caminho de volta ao propósito original de Deus para a humanidade e para toda a criação.
É nosso objetivo através destas crônicas sobre épocas passadas da história da Igreja descobrir algumas das nossas raízes, e compreender melhor a razão da nossa existência.
Com Sal ou Sem Sal?
O que você sabe a respeito da igreja dos primeiros séculos?
Se você já leu o livro de Atos dos Apóstolos, sabe que era uma igreja unida, despreocupada com estruturas, prédios, organizações, títulos, cursos, e tantas outras coisas sem as quais hoje não saberíamos fazer nada.
Aquele grupo de cento e vinte pessoas que acreditaram na promessa do homem que fora crucificado, que ressuscitara e que fora embora para o céu à vista de alguns deles, ficou esperando dentro de um cenáculo durante dez longos dias e recebeu o Espírito Santo exatamente como Jesus prometera. A partir deste momento, e deste cantinho desprezado do Império Romano, este bando de pessoas incultas que já não contava com o seu poderoso líder carismático, começou sua trajetória triunfante, espalhando-se por todo o Império e além dele, e chegando a representar no ano 300, segundo estimativas, de 5 a 10% da população do mundo civilizado.
Em muitas regiões, o cristianismo penetrou em todas as cama das da sociedade. Embora tivesse começado com pessoas humildes e incultas, a fé cristã atingiu todos os níveis sociais, e seus seguidores não puderam ser ignorados. Sobreviveram a diversas ondas de perseguição e oposição, e continuaram a avançar apesar de não contar com campanhas publicitárias, ou mesmo com qualquer estratégia evangelística explícita. Sua força pode ser avaliada pela ameaça que representou para os poderosos imperadores romanos, e que desencadeou as grandes ondas de perseguição.
Por que os cristãos dos primeiros dois séculos causavam tanta oposição e reações contrárias no mundo em que viviam?
As primeiras perseguições que estão registradas no livro de Atos foram causadas pelos judeus religiosos que não reconheciam em Jesus o cumprimento de todas as profecias e promessasdas suas próprias Escrituras, e que se sentiam ameaçados e condenados pela realidade e autenticidade destes que proclamavam o cumprimento atual de todos os sím bolos, rituais e sombras da Velha Dispensação.
Mas por que os romanos, gregos e outros gentios também se levantavam contra este novo caminho?
Os romanos, que em geral eram tolerantes de outras religiões, contanto que as pessoas observassem os ritos e práticas que implicavam em submissão ao imperador romano. E era aí mesmo que estava uma das principais acusações contra os cristãos — sua teimosia e falta de respeito para com a autoridade romana.
Plínio, o Jovem, um oficial romano que foi enviado no ano 110 para governar a província de Bitínia (atual Turquia), foi quem deixou nos seus escritos um dos relatos pagãos mais antigos sobre os cristãos.
Na sua primeira experiência de interrogar os cristãos ali, como não sabia o que fazer ou como tratá-los, resolveu escrever para o imperador Trajano, pedindo conselho. “Não sei de que crime são culpados, ou o que preciso investigar ou castigar”, ele escreveu. Disse que estava incerto se quem admitiu ser cristão já era merecedor de castigo, ou se precisava ser acusado de outro crime também.
Mas enquanto isso, perguntou aos acusados se eram cristãos. Quando alguns confessaram que eram, ele perguntou uma segunda e depois uma terceira vez. Quando confirmavam, mesmo diante da ameaça de castigo, Plínio ordenou que fossem condenados. “Pois não tinha dúvidas de que, fosse o que fosse que estavam admitindo, a obstinação e perversa inflexibilidade deveriam ser castigados.”
Para ele, esta atitude cristã era uma espécie de insanidade contagiosa ou desordem mental que resultaria inevitavelmente em crimes contra o Estado romano. No final da sua carta, disse: “Esta superstição contagiosa não se confina nas cidades apenas, mas já espalhou sua infecção para as aldeias do campo.” Trajano posteriormente recomendou Plínio pela atitude tomada.
Era assim, aparentemente, que os romanos consideravam os cristãos: como um grupo seguidor de superstição perigosa. Nas palavras de Seutônio (escritor romano e secretário do imperador Adriano) e que foi um dos primeiros escritores pagãos a mencionar os cristãos, estes eram “uma classe de pessoas dadas a uma nova e perniciosa superstição.” Um outro historiador romano, Tácito, reconheceu que Nero inventou as acusações de que os cristãos haviam iniciado o incêndio de Roma, mas demonstrou pouca simpatia por este povo “notoriamente depravado”.
“O fundador deles, Cristo, fora executado no reinado de Tibério pelo governador da Judéia, Pôncio Pilatos,” ele escreveu. “Mas apesar da derrota temporária, esta superstição mortal espalhou-se não somente por toda a Judéia (onde este mal nasceu), mas até mesmo em Roma. Toda espécie de práticas depravadas e vergonhosas se ajuntam e prosperam na capital.”
O que os romanos entendiam por superstição? De acordo com diversos autores romanos proeminentes, incluindo Cícero e Plutarco, era qualquer crença ou prática religiosa e ofensiva, que desviava das normas romanas. Os grupos que tinham estas religiões “irracionais” poderiam agir imprevisivelmente, sem consideração pelos ritos e tradições de Roma. Na verdade, eram exatamente as suspeitas políticas, e não necessariamente as religiosas, que preocupavam as elites romanas. Se qualquer devoto religioso continuasse a observar os ritos romanos, poderia adorar o deus que quisesse.
Os cristãos não reconheciam nenhum outro deus a não ser o Deus deles. Isto já era mal, mas também se recusavam a participar em qualquer rito religioso não cristão, a servir no exército, ou a participar de cargos políticos. Era uma recusa a comer carne durante um rito religioso romano que levou Plínio, o Jovem, a julgar aqueles cristãos em Bitínia.
Além disso, espalhavam outras idéias fantásticas sobre os cristãos, como por exemplo que eram canibais e praticavam incesto. Como o cristianismo nasceu sob perseguição, as suas práticas mais sagradas não eram abertas a não cristãos, o que favorecia as deturpações de quem não tinha qualquer contato de primeira mão. Desta forma, o ósculo santo entre “irmãos” (Rm 16.16) talvez tenha sido interpretado como relacionamento incestuoso, e a ceia onde Jesus disse para comer sua carne e beber seu sangue poderia ser entendido como algo literal.
Os cristãos também eram acusados de adorarem cabeças de jumentas, de praticarem orgias sexuais, e de serem mágicos e feiticeiros (talvez por causa dos milagres de cura, da expulsão de demônios, e da cerimônia do batismo). Estas acusações que nem sempre foram levadas ao tribunal tinham o efeito de colocar a população e principalmente as elites contra os cristãos, mas em diversos períodos durante os primeiros séculos causou ondas de perseguição por colocar o cristianismo como inimigo do Império.
Numa época da história em que (no mundo ocidental) a Igreja conquista cada vez mais reconhecimento e espaço na cultura, na política e na sociedade secular, vale a pena voltar para nossas raízes e ver como a primeira igreja obteve suas primeiras vitórias e chegou a ser uma força influente no mundo daquela época. Onde está a verdadeira força da Igreja — na presença ameaçadora de um povo não alinhado e até mal interpretado, ou daqueles que se esforçam ao máximo para se assemelharem à sociedade e cultura em que vivem?
Onde está o sal da terra?
No próximo número: Como o sofrimento dos cristãos primitivos afetava o mundo em que viviam.
Fonte de pesquisa: Christian History Magazine, Issue 57,1998, da Christianity Today, Inc.

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