terça-feira, 6 de dezembro de 2011

A volta da igreja pródiga

Por: Maurício Bronzatto

A Parábola do Filho Pródigo tem uma universalidade impressionante. Poucas histórias bíblicas são tão conhecidas quanto esta. Mesmo nos domínios estrangeiros à religião, não é difícil surpreender pessoas tomando como ilustração para alguma fala, opinião ou comentário o relato do filho arrependido que retorna à casa do pai e é graciosamente acolhido. Entre as muitas explicações que poderíamos recolher para o fato de a história bíblica ser tão recorrentemente recuperada no cotidiano, fico com a aspiração imorredoura da humanidade por se encontrar num ambiente cercado de afetos, capaz de lhe conferir a sensação peculiar de pertencimento e a convicção insuperável de segurança que só experimentam os que se sentem em casa. Que satisfação poderia ser maior do que esta?

O tema é tão prestigiado que encontra ressonância em muitas manifestações artísticas, fazendo convergir para um ponto comum os anseios profundos de todos aqueles que se reconhecem como não estando no lugar certo. Para ficar em dois exemplos, podemos, em primeiro lugar, lembrar do filme “Cidadão Kane”, em que o protagonista, no fim da vida, pronuncia uma palavra indecifrável para os que estão ao seu redor, cujo significado estava ligado a um brinquedo de seu tempo de criança. Depois de ter conquistado o mundo todo, o sucesso não foi suficiente para lhe garantir a paz característica dos que se sentem em casa. Para este personagem a única referência de casa era aquela que sua infância lhe proporcionara. Tendo se desviado desse lugar seguro e nunca mais para lá tornado, faltava-lhe sentido existencial, vazio que se acentuou quando o tema da morte passou a assombrá-lo. Um segundo exemplo retiramos dos versos do poeta contemporâneo Cacaso, em que parafraseia a conhecida “Canção do Exílio”, de Gonçalves Dias (“Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá…”). Escreve Cacaso: “Minha pátria é minha infância / Por isso vivo sempre no exílio”). Poucas linhas dizem tanto acerca da nostalgia em relação a um tempo assumido como melhor, quase mítico, localizado em algum lugar do passado. O anseio, no entanto, é o mesmo: a crescente insatisfação do homem quando intui, no mais íntimo, que não se acha no lugar devido.

Hoje podemos revisitar a parábola bíblica em questão e reconhecer dois pródigos: o filho que deixa a casa e aquele que se perdeu dentro dela. Um e outro, o esbanjador e o amargurado, precisam recuperar sua filiação. E é somente a recepção amorosa do pai que pode oferecer o ambiente para tal transformação. Aliás, o grande pródigo da parábola é o pai. Ninguém gastou mais do que ele nesta história. Ele esbanja compaixão, cuidado, perdão, investimento paternal de toda sorte. Tenho pensado nesta cena narrada por Jesus como contendo razões para se viver uma vida inteira. Alguém já disse que todo o Evangelho está contido ali.

Se é assim, no abraço e ambiente ofertados pelo pai aos filhos que voltam podemos também antever o retorno da igreja ao lugar de onde nunca deveria ter partido. Se considerarmos que a igreja um dia já teve como centro o colo de Jesus, os ensinamentos vivos do mestre e toda a riqueza da demonstração de sua comunhão com o Pai, que embevecia um grupo familiar de judeus do primeiro século, o ambiente que sucedeu a este tomou caminhos bem diferentes. Que abismo entre o original e outros ambientes aos quais tem sido inadvertidamente dado o nome de igreja ao longo dos tempos! Da intimidade com Jesus e seu Espírito, rapidamente a igreja se deslocou para um endereço. Tendo começado de forma familiar e feito muitas famílias-discípulas, não demorou a trocar a relação pela reunião, a intimidade e a partilha pelo evento. Não nos estranha o fato de que lares, inicialmente, casas-endereço em seguida, passaram logo a ser assumidos como igrejas. O resultado não poderia ser outro: a família foi desalojada e deu gradativamente lugar a um funcionamento eclesiástico. A consequência foi o aparecimento dos templos, das catedrais, das instituições e impérios religiosos. Tudo muito diferente do colo e da companhia de Jesus. A vida simples e cotidiana, na qual os sinais do Reino se evidenciavam, foi substituída por cerimônias e rituais. Estilizou-se a vida, e os vínculos no Espírito Santo cederam lugar à organização.

Entretanto, com a graça de Deus, a igreja pródiga está retornando. Se lembrarmos que a partida foi um distanciamento gradativo que deixou o colo de Jesus, depois a família, em seguida as casas e foi parar no templo e em todas as suas decorrências institucionais, o caminho de volta deverá ser percorrido de forma inversa. Em primeiro lugar, as divisas das estruturas precisam cair; a seguir, a cultura do templo; posteriormente, a volta às casas será a consequência natural de quem passa a ver pouco sentido no ambiente anterior. Mas a casa não é a pousada definitiva. Igreja nas casas faz parte da transição – não da permanência – que pretende devolver a igreja à família, e esta à intimidade estreita com Jesus.

Já conseguimos ouvir o barulho dos preparativos da festa para a igreja que estava morta e reviveu, que tinha se perdido e foi encontrada? Bem, isso vai depender do ponto do retorno em que nos encontramos.

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